Aqui não bebes.........
29 de Janeiro de 1968
O quartel de Nancatar está há algumas noites a ser atacado pela Frelimo. Em Mueda preparam-se
dois grupos de combate, mais ou menos 50 homens, mais um agrupamento do esquadrão de cavalaria 2. Coluna
completa iniciamos a marcha passando pelos cães de guerra iniciando a descida do Planalto para o Vale. Íamos
apreensivos porque os guerrilheiros, os chamados " turras ", deviam saber da deslocação de tropas e poderiam esperar-nos
no caminho. Passamos pelas águas, pela ponte, um pouco mais á frente, pelas bananeirase entramos num terreno plano onde
os carros aumentam um pouco a velocidades. De repente, rebentam em simultaneo diversos fornilhos, que provocam várias
crateras e uma violenta emboscada. Alguns carros não conseguem parar a tempo e batem nas traseiras dos da frente e outros
enfiam-se pelo capim. Respondemos de imediato ao fogo inimigo, que durou longos minutos, e só acabou com a acção das
Foxs que ao passarem várias vezes pelas margens calaram finalmente o fogo inimigo.
Voltou o silêncio, por vezes cortado com disparos do inimigo, provavelmente para protegerem a sua retirada. Um ferido
grave , condutor do rebenta minas, pertencente ao esquadrão que foi evacuado de helicóptero, e um alferes da minha companhia
que foi levado por mim para Mueda, protegido por duas secções. Entregue o alferes no hospital, iniciei o caminho de volta
ao sitio onde a coluna estava á minha espera.
Tudo novamente em marcha, com bastante tristeza, pois quando cheguei ao hospital soube que o condutor do esquadrão
tinha falecido. Não houve mais problemas e chegamos ao quartel de Nancatar, onde constatamos que alguns edificios estavam
danificados e os soldados locais com o moral bastante em baixo.
A noite começou a cair e dei uma volta pelo estacionamento quando reparo num pequeno grupo de Furrieis, que vinham
em amena cavaqueira, cada um com uma cerveja na mão e perguntei :
- Onde posso beber uma coisa dessas?????
- Vai ali ao bar de sargentos, indicando-me um pequeno edificio pintado de branco.
Lá fui, havia um pequeno balcão e cerca de três a quatro mesas. Dirigi-me ao homem do bar e disse-lhe:
- Dá-me uma cervejola, que venho com calor por dentro e por fora.
- Aqui não bebes.
Não queria acreditar e perguntei.
- Mas não bebo porquê???????
- Aqui é o bar de sargentos, disse-me o gajo olhando para mim.
Eu, ingénuo, ainda lhe disse que era Furriel e sempre frequentei o bar de sargentos, a conversa continuou já com irritação
da minha parte.
- Não quero saber disso, dá-me a cerveja ou vou buscá-la aí dentro.
A conversa estava a aquecer quando ele me diz:
- Não sirvo nada e vou chamar o sargento que está na secretaria aqui ao lado.
- Então vai lá chamar o sorja.
Fui buscar uma cerveja ao frigorifico e sentei-me a uma das mesas á espera. Depois compreendi porque ele não me queria
dar a cerveja, não tinha divisas o que eram normal, pois nunca ninguém as usava quando saiamos do quartel. Entrou o
meu amigo Alves, o outro Furriel do meu grupo, juntamente com um Furriel local. Contei-lhes a história e disse-lhes para
esperarem ali um pouco pela chegada do tal sargento. Aparece de novo o homem do bar dizendo que o sargento não
podia vir, pois estava a preparar a logistica para o pessoal que tinha chegado, nós.
O Furriel de Nancatar mandou vir mais uma cerveja para cada um, dizendo-me que o homem do bar já tinha tido
a mesma atitude com pessoal de passagem para Montepuez e que já lhe tinham chamado á atenção. Depois da conversa
na mesa levantei-me e dirigi-me ao balcão para pagar a minha cerveja clandestina, dizendo-lhe:
- Diz-me, tu nunca frequentaste uma escola de cabos, pois não????
- Não, não frequentei
- Pois, mas tu ainda não sabes mas estás já a frequentar, ainda não te apercebeste.
- Isto não é escola nenhuma, disse-me.
- Então digo-te que esta é a tua escola de cabos..... para cabo chico.
Olhou-me muito com os olhos abertos e surprendido, mas nada me disse.
Fui lá mais algumas vezes, quer sozinho quer acompanhado, mas nunca mais houve problemas.
Regressar ao cantinho do Monteiro
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