CARTA NUNCA ESCRITA
Querida,
Desejo que
estejas bem , assim como a família
Querida tudo
o que tenho escrito até agora tem sido mentiras. É verdade que temos feito uns
géneros de acampamentos mas, sem tendas um pano por baixo e outro por cima,
tanto faz que esteja frio como chuva. Frio é o que não tem faltado durante a
noite para os locais onde vamos.
Também
mentira que ouvimos os indígenas a cantar. O único canto que ouvimos é tropa
aué, tropa aué. Bem como os foguetes que
ouvimos não são disparados para o céu e também não levam cana. São disparados
através de armas automáticas e na grande maioria melhores do que as nossas.
Também não é verdade que quando estamos no
Aquartelamento espetacular, (Sei agora que ainda há bem piores do que este),
para teres uma ideia temos dois quartos ( que não são maiores do que o nosso)
para 14 Furrieis Milicianos, os soldados estão ainda bem piores do que nós em tudo desde o alojamento
á comida. Que a alimentação seja boa, pelo contrário é péssima, a maior parte das vezes carne aos
quadros com esparguete, que apelidámos de cordão detonante com trotil,
bacalhau algumas vezes com batatas e
conversas com arroz e, com feijão frade. Sempre tem havido um púcaro de vinho
para a gente.
Temos que ir
buscar um atrelado de água para todas as
nossas necessidades, é verdade que não tivemos qualquer problema mas o local é
propício a emboscadas. Passados estes
quatro meses já não temos medo de andar no mato, mas antes de nos
embrenharmos no mato é bastante perigoso.
Para piorar
a situação os anormais do Ar
Condicionado e d e acordo com o Comandante de Batalhão mandaram para o nosso
Aquartelamento cinquenta macuas Uma étnica que está mais para os lados de
Mocimboa da Praia para descapinar a
picada que vai para Motamba dos Macondes. Desde o primeiro dia que sabíamos que
iríamos ter problemas, pois parece que ninguém ensinou aqueles anormais
que as rotinas eram sinais de perigo e de morte conforme veio a acontecer.
Ainda hoje gostava de saber como é que aqueles anormais estão cheios de
louvores e quiçá de cruzes de guerra, sabendo agora que eram de tal maneira
intocáveis que os Oficiais com Patente de Major ou superior em zonas de intervenção só se deslocavam por meios aéreos. Para nós no Sagal não
havia avioneta para nos levar alguns
frescos.
Se a guerra
não fosse feita por Milicianos gostava de saber quantos dias eles
aguentavam o que nos obrigaram a fazer
para belo prazer de comissões a ganharem bem com a família lá em alojamentos
pagos pelo Estado e com motoristas tanto
para ele como quando necessário para seus familiares.
Poderia
falar mais mas não sou muito dado a estas
coisas pelo que vou terminar
Parede, 3 de
Agosto de 2017-08-03
António
Nascimento
Ex-Furriel Miliciano
| Voltar ao Cantinho do Nascimento |