As expressões que fui "aprendendo" durante o serviço militar
Começei o serviço militar no CISMI em Tavaira, em Janeiro de 1966. Foi uma viragem
na minha vida.Os exercicios fisicos eram duros e ali comecei a ouvir expressões completamente
novas para mim.Aquilo era uma verdadeira amostra do Pais real, não podiamos ser demasiados
espertos nem demasiados "parvos", posicionei-me no meio.
- Tu aí, tens carta de condução???????
- Tenho sim, meu tenente, e há muitos tempo, resposta pronta do oficial.
- Com que então há muito tempo!!!!!, pega , imediatamente, no carro de mão e dá duas voltas
á parada.
Nas sextas-feiras a instrução terminava sempre com marcha de muitos quilómetros.Não podiamos
desistir, pois caso contrário tinhamos o fim de semana comprometido.Numa delas começou
a chover imenso e todos nós ficámos ensopados o que originou mais lentidão e cansaço.Então o
tenente rápidamente disse -
Chuva civil não molha militar
-. Psicologicamente fez efeito.
Mais tarde, num dia que o meu comandante de pelotão não apareceu, foi substituido por um
apirante de cor negra.Era um homem sempre com uma piada pronta, nunca ofendeu ninguém, como
por vezes observei durante a especialidade efectuada por outros.O tal aspirante sempre que dizia
uma piada ria-se muito dela, mesmo que não houvesse reação da nossa parte.Ficou marcado por
uma expressão que utilizou "
Gosto muito de utilizar o papel higiénico branco, pois cago nele
". Aquilo
saiu-lhe num contexto que já não me lembro, mas sempre tive, e todos nós, a convicção que não o
disse com sentido racista de nos ofender.
Acabado o curso, continuei por vários quarteis até que me encontrei a bordo do paquete Niassa
e a caminho de Moçambique. Depois das despedidas, sentei-me á mesa para a minha primeira
refeição a bordo, o pequeno almoço. Colocaram-me um prato de arroz com salsichas.Fique, uns tempos,
a olhar para aquilo, não estava habituado a tal pequeno almoço, então um dos tripulante justificou que
"
O mata bicho era de garfo
" porque iamos para uma zona de influência Inglesa.
Continuamos a nossa viagem com a primeira paragem em Luanda e a segunda em Lourença Marques,
onde todo o batalhão desfilou. Dois dias depois reembarquei e percorremos toda a costa até Mocimboa
da Praia, onde desembarcámos.No dia seguinte todo o batalhão se meteu á picada ( estrada de terra
batida ) fincando uma companhia em Diaca , a outra no Sagal e finalmente a minha e a CCS em Mueda.
Fomos recebidos por uma autêntica multidão de militares que nos saudaram com a expressão
"
Chegaram os checas , chegaram os checas
". Compreendi perfeitamente a sua euforia, era sinal que eles
já podiam sair daquele inferno, pois já tinham substitutos.
No dia seguinte, eu e mais alguns amigos ,saimos do quartel e fomos dar uma volta pelas imediações
para conhecer o local. Como os velhos militares -
os coquanas
- nos viram sair para o lado direito,
imediatamente ouvi a expressão "
os chequinhas vão fazer máquina
" , não compreendi de todo, mas
também não demorou muito a perceber. Entrámos no aldeamento e ao passar por algumas palhotas
ouvimos uma jovem local que nos perguntou "
Furrié quer fazer máquina
"????, aqui estáva o significado
de tal expressão.
Mueda era uma autêntica cidade militar, por ali passavam muitas companhias ou pelotões isolados,
quer para coordenar operações ou para fazerem reabastecimento na Intendência. Certo dia aparece,
vindo de Mocimboa da Praia, uma companhia de "
chequinhas
" com destino a Mocimboa do Rovuma e
tinham pernoitado, para no dia seguinte se fazerem á picada. Reparei no Alferes e imediatamente o reconheci,
era o tal do "papel higiénico branco".Fui ter com ele, cumprimentei-o militarmente, e disse-lhe
- amanhã vai necessitar de papel higiénico de qualquer côr para fazer aquela picada -.Olhou-me nos olhos,
surpreendido, fez uma pequena pausa e disse-me: - Foi meu instruendo em Tavira -, imediatamente se
lembrou e fomos a conversar para o bar dos sargentos onde bebemos umas " loirinhas fresquinhas ",
enquanto falávamos sobre o seu percurso do dia seguinte.
Sempre que havia operações, e imediatamente antes de sairmos do quartel, formáva a minha
secção em frente ao depósito de material, para assim poder distribuir munições e granadas.Sempre
que o sargento Pinto se encontráva no interior , cá fora a malta começava a entoar "
Vai para o mato
malandro
", o que não era nada do agrado de tal sargento.
Linda-a-Velha, Dezembro de 2014
José Fernando Pascoal Monteiro ( Ex Furriel Miliciano )
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