
Saímos
de Lisboa, a 12 de Abril de 1967, embarcados no navio Niassa, comigo, partiram
centenas de militares com destino ao desconhecido, nas nossas mentes pairavam
um conjunto de fantasias e de mitos que iludiam o perigo evidente da jornada.
Cruzamos as silenciosas e calmas
águas do golfo da Guiné, aportamos na linda e encantadora Luanda e dobramos o
inóspito cabo. Atracamos a 2 de Maio de 1967, em L. Marques (Maputo), cidade de
rara beleza, muita florida aliada à radiante iluminação da mesa e das jovens atraentes
e bonitas. Nacala foi outro local que deixou marcas - aqui reencontrei-me
com o homem que me deu vida, - banhada por uma baía de águas profundas e
envolvida de uma floresta verdejante.
Chegamos ao largo de Mocimboa da Praia, a 10
de Maio. Termina aqui o 1º. Capítulo da nossa “aventura” Marítima. Um imenso
areal impede a aproximação do navio ao cais. A descarga de bens e pessoal é
feita com o apoio de várias barcaças, que num vaivém permanente, colocam tudo e
todos no cais.
Pouco antes de aqui chegarmos, a
azáfama e as preocupações eram imensas. Era o equipamento, os sacos a mala,
receber e dar ordens num corrupio infernal que promoviam certa desorientação.

Quando a pisei, senti um misto de
alívio e liberdade, as péssimas condições do navio, aliado a cheiros, à comida
e à longa viagem, contribuíram para esse sentimento.
Em terra, somos confrontados com
ordens e contra ordens, num constante rodopio de movimentos que se destinavam a
dar ordem e disciplina à desordem reinante. Passado algum tempo, horas talvez,
tudo voltou à normalidade. Fomos dispersos e condicionados em locais onde dormimos
no chão
A noite foi longa, pela manhã
assumimos as viaturas que nos destinaram, eram largas dezenas e de vários
tipos, num percurso em picada de cerca 200 km, partimos então em direcção a MUEDA, que nos levou 2 dias a alcançar.
A coluna militar, composta por
centenas de militares (xekas)
os quais foram por ela distribuídos, levava também bagagens e toda uma
logística de apoio ao esforço da guerra. As indicações que nos transmitiram foi
de manter a arma em posição de fogo e prestar muita atenção à possibilidade da
existência de minas pessoais e, em caso de ataque saltar para o mata e
aguentar.
Toda essa concentração e cuidados
só foram possível mantê-los durante algum tempo. O calor, o cansaço, a picada e
a própria pressão levaram-nos ao descuido, descontracção e a certa
displicência.
Certa altura a coluna parou,
olhamos uns para os outros e num impulso simultâneo saltamos para o mato. As
necessidades fisiológicas foram o pretexto para tal risco, mas, olhando a mata
demos pela presença de uma laranjeira carregado de laranjas. Foi um assalto,
bolsos cheios até não poder mais, voltamos as viaturas, não faltando um aviso
de um dos oficiais que por ali se encontrava, sobre a imatura e perigosa
atitude.

Depois deste episódio não me
recordo da coluna ter parado mais. Parou sim quando chegamos a Diaca, ao fim do dia. A Companhia 1711
ficou aqui colocada, substituíram os militares (kokuanas) que terminaram o seu tempo nesse local. Os
restantes militares, da CCS, 1712 e 1710, foram espalhados pelo recinto e aí
passaram a noite, uns em cobertos, outros ao tempo ou debaixo de uma árvore,
que foi o meu caso. Toca a levantar e arrancar com destino ao Sagal.
Deixamos para trás amigos e
companheiros. Após as despedidas habituais retomamos a marcha com destino ao Sagal, tínhamos que vencer uma
picada altamente perigosa, era voz corrente dos perigos que ela comportava para
os militares em coluna, onde as minas e emboscadas eram permanentes. Neste
trajecto havia um local muito perigoso e que tinha fama pela sua negra
história relativamente aos portugueses, a curva da morte.
Ultrapassado este obstáculo,
felizmente nada de grave aconteceu. Mais uma viagem demorada e com muito calor,
cansativa e de muita tensão, que provocou um cansaço enorme e um desejo
profundo de chagarmos rapidamente ao nosso destino. Neste local de beleza rara,
ficou instalada a Companhia 1712, procedeu-se de igual modo à substituição dos
militares ali instalados. Localizado no perímetro do planalto maconde, cuja
picada para Diaca tinha uma inclinação muito acentuada.
O quartel estava localizado na
antiga serração, com alguma habitação em alvenaria, oferecia condições de
habitabilidade razoáveis aos militares. Passado algum tempo, o restante da
coluna retomou o seu percurso, sem que antes as despedidas, num até sempre,
fossem levadas até ao extremo. Momentos de muita tristeza e dor.

Mais uma vez amigos e companheiros
separam-se. Subimos para as viaturas, foi retomada a marcha, seria por volta do
meio do dia, tínhamos consciência que era o último percurso a ser alcançado e,
até aqui nada de anormal tinha acontecido, atingirmos finalmente o objectivo
que nos estava destinado, MUEDA.
(Situada no
planalto dos
Macondes, Cabo Delgado, habitada maioritariamente pela etnia maconde,
onde
linguisticamente predominavam o “suahíli”,
“maconde”, “macua” e o
“português”)
Nas nossas cabeças fervilhavam
tantas perguntas, todas elas sem resposta, dúvidas eram mais que muitas. As
histórias que contavam os que de nós iam partindo, provocavam um misto de
desconforto e medo.
Foi assim que partimos em direcção
ao imprevisível, mas convictos que venceríamos este último esforço, percorrendo
a picada de imensas areias, que provocou o atascamento das viaturas, obrigando
a um esforço redobrado daqueles valentes que tiveram que as retirar.


Finalmente chegamos, a meio da
tarde. Foi um momento bonito…e histórico. A recepção pelos “kokuanas” foi enorme e efusiva, gritando; viva os xekas, olha os xekinhas, estavam ali os tão
desejados militares “xekas” acabados
de chegar e prontos para os substituir. A coluna parou fronteiro ao quartel,
apeamo-nos das viaturas, sujos e mal cheirosos, ansiosos por banho e beber algo
que apagasse o fogo que existia dentro de nós.
Mas nada disso aconteceu nas
primeiras horas, antes de tudo, fomos ver as instalações, dormitórios, cozinha
e refeitório. Procedeu-se ao transporte e armazenagem dos materiais
transportados e só depois é que veio aquilo porque todos ansiávamos, o BANHO.
Claro, seguido de uma minissaia fresquinha (?) que pela goela foi
emborcada de um só golo. Onde dormimos? Não sei, por aí….responderam.
Quando acordei, levantei-me e
dirigi-me à porta da flat, dei por mim a olhar no horizonte e verificar que
estava-mos em local fortificado que oferecia alguma segurança em combate
aberto. Olhei e vi uma trincheira á minha frente, pensei…Em caso de ataque
salto lá para dentro, aí estarei mais seguro (?..).
(Na
flat n.2, que me foi destinada foi praticamente o meu espaço de vida. Também lá
viveram: Adolfo, Monteiro, Ferreira, Andrade, Eurico e V. Pereira,
entre nós forjou-se uma sã camaradagem, com regras de clã, onde a partilha era
uma das regras.
Ficaram
celebres: As noitadas de jogatina até ao romper do dia; As patuscadas regadas
com muita bebida eram permanentes; Os serões de fado pelo fadista de serviço,
Adolfo, chegavam a criar um ambiente de nostalgia que terminavam muitas vezes
em choro;
Tudo
tinha justificação para mais uma comemoração e assim se beberem umas
cervejinhas. O nosso espaço transformou-se num ponto de encontro para muitos
outros militares. Ficou famosa no seu tempo.)
Aquartelados em Mueda ficaram os
militares da CCS e da Companhia 1710, e aqui permaneceram ate ao dia de
partida, que se efectuou a 15 de Junho de 1968, o que perfaz, 1 ano, 1 mês e 3 dias.
Para trás, bons e maus momentos
foram vividos, cimento que forjou uma camaradagem que se iniciou aquando da
criação do Batalhão 1916,
Bem-haja todos, os que já partiram
e os que persistem em continuar.
Um fortíssimo abraço
Viana do Castelo, 05/05/09
Francisco Dias Ribeiro
1710
Ex Furriel Miliciano
Vague mestre
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