No dia 11 de Janeiro de 1966, tinha 21 anos,
quando apanhei o barco, na Praça do Comércio, para me
dirigir á estação de caminho de ferro do Barreiro.Já no comboio, deparei-me com imensos
jovens da minha idade ficando a saber que, tal como eu ,o destino
era o CISMI de Tavira.Ainda no comboio, e depois de vários contactos
reunimos um grupo de quatro com a intenção de alugarmos
um quarto.Os meu pais, preocupados com a minha alimentação,
tinham-me dito que mandariam semanalmente um vale de correio no valor de 100 escudos para jantar ao longo da semana.A quantia enviada dáva
perfeitamente para a alimentação fora do quartel a maior parte da semana,
no entanto como optei por alugar
quarto, já não conseguia ir jantar
tantas vezes.Após a instrução militar, saiamos do
quartel e iamos direitinho ao quarto, onde a farda saia do corpo e seguia-se um banho retemperador.Na cidade das igrejas, lá iamos cumprindo os
três meses de recruta sempre á espera dos fins de
semana onde por vezes no terraço faziamos umas petiscadas bastante regadas com o
vinho da região( Lagoa ) .Entretanto acabou a recruta e veio a noticia,
já esperada, que iria ali continuar mais três meses para a especialidade de
atirador de infantaria.Com o decorrer do tempo já podiamos ir
á praia aproveitando assim para suavisar o tempo passado no quartel.Foi nesse ano que, na
Luz de Tavira, assisti, com vários amigos, durante um
almoço, ao célebre jogo de futebol entre Portugal e a Coreia do Norte, em que o Eusébio fez um
jogo inesquecivel.
Em Junho, depois do curso, deixei Tavira com
sentimentos opostos, o primeiro gostei imenso das gentes locais e da
camaradagem e de novos amigos que fui fazendo, o segundo foi uma marca
fisica , que nunca esqueci, pela estupidez e brutalidade exercida pelo
alferes Arnedo. No principio de Julho estáva na
EPI em Mafra onde fui dar a recruta, juntamente com um alferes do
quadro, a um pelotão do curso de Oficiais Milicianos.Aqui, já perto de Lisboa, ia com
mais frequência a casa para estar com a familia.Novos amigos
foram feitos e novas experiências vividas.Certo dia, de manhã, foi-me dada, pelo Capitão da
Companhia, a noticia de que estáva mobilizado para
Moçambique e que iria formar batalhão em Chaves.Concederam-me alguns dias de "férias" que aproveitei
para comprar as fardas, no Casão Militar, com dinheiro
entretanto recebido. Novamente me encontro a caminho de um novo quartel,
e então apanho o comboio para o Porto e daqui para a
Régua, mudando para via estreita para fazer uma fantástica e
inesquecivel viagem pelos vinhedos do Douro.Neste último
troço de comboio este, por vezes , ia tão devagar
que quase dáva a ideia
de serpentear pela montanhã.Para mim tudo isto era absolutamente
novo, lembrando-me, perfeitamente, que com o vento, por vezes a
fumaça da locomotiva a vapor entráva na
carruagem.Estávamos em Outubro e, por aquelas paragens, o tempo
já começava a esfriar um pouco.Começa a
formação da Companhia e desta em pelotões.Como havia
necessidade de formação em minas e armadilhas, lá
fui ,mais uma vêz, a caminho de outro quartel o de Tancos.Nesta localidade mantive-me cerca de dois meses,
encontrando-me com um amigo de infância - Fernando Santos - que
estáva mobilizado para Angola, amigo este que mais tarde, após o serviço
militar, nos encontrámos no mesmo emprego, aí estando
até á idade de reforma.As folhas do calendário
continuavam a cair e de novo em Chaves, sou reintegrado na Companhia,
seguindo de perto a instrução.Lá passei todo o
tempo até final da recruta . Não esqueci o
tempo ali passado, os novos amigos encontrados, e
também a neve que por ali abundáva.
A máquina militar, que tudo tritura,
não podia parar e já estamos em finais de Março de
1967 e a caminho de Vila Real, esperando embarque o que aconteceu em Abril, no cais da Rocha Conde de
Óbidos, em Lisboa.Aqui embarcámos no Niassa para a minha
primeira grande viagem.Lá fomos pelo Atlântico a caminho da primeira paragem em
Luanda, onde ficámos cerca de dois dias.Aqui entrei pela
primeira vêz em África, onde as gentes e a terra são muito diferentes daquilo que eu
conhecia.Novamente a bordo do Niassa seguimos em direcção
ao Cabo, onde entrámos no Índico já com
Lourenço Marques como destino, onde o batalhão
desfilou.Esta parte de África notei que era diferente da de
Luanda, aqui por influência da Rodésia e especialmente da África do Sul, havia uma
separação de raças, muito embora não se
notasse num primeiro olhar.Nos cafés os empregados eram negros,
vendedores de cautelas e engraxadores também o eram, verdadeiramente
ao contrário daquilo que encontrei em Luanda, onde todas aquelas
profissões tanto eram exercidas por brancos ou por negros.Pese, embora o pouco tempo que estive
em Luanda, penso que aqui havia uma melhor integração
racial e inclusivamente a relação população local/tropa era ali muito melhor.Novamente a bordo
do Niassa, recomeçámos a nossa viagem passando por
Nacala, Porto Amélia e finalmente Mocimboa da Praia, onde desembarcámos e dormimos.No
dia seguinte, pela manhã, lá fomos para a picada chegando
a Mueda pela hora do almoço.Aqui fiquei cerca de um ano, onde a amizade se foi
cimentando mais com as adversidades.Fiz inúmeras
operações, entrei em combate várias vezes, perdi
companheiros da mesma caminhada.A flat onde vivi ficou famosa
pelas suas "festas" para passar o tempo, companheiros que jámais
esquecerei e que juntamente com outros mantenho ainda hoje uma forte amizade.Nesse
período fui um mês de férias, fazendo o meu batismo
de vô numa Dornier, que o Lemos nos arranjou, com os conhecimentos que tinha na força
aérea, com destino a Nampula.Agora as emoções eram
outras, estáva completamente descontraido e o dia era ocupado entre a piscina e o cinema, dando ainda tempo para
ir visitar a Ilha de Moçambique.Passadas as férias eis o
regresso e novamente o avião desta feita para Porto Amélia e daqui para
Mueda.Rápidamente reentrei no ciclo de guerra, patrulhamentos,
operações até que chegou a rendição
e aí foi com grande prazer que volteia a fazer a estrada Mueda/Mocimboa
da Praia onde apanhei o barco para a Beira.Daqui fiz uma
fantástica viagem de comboio, que durou cerca de dois dias, para Moatize e daqui para
Vila Coutinho por picada, onde fiquei instalado num anexo do hotel
local.O quartel ficáva a cerca de 1
kilómetro do centro da vila onde só ia raramente, quando
estáva de serviço.Na zona não havia actividade
inimiga o que facilitou muito o contacto com a
população nativa, no entanto o que gostáva mais de
fazer eram patrulhas, de cerca de uma semana, onde contactei com várias missões
religiosas que nos acolhiam bastante bem, onde pernoitávamos e
nos serviam o jantar sem necessidade das rações de
combate.
Estive, com o meu pelotão, destacado no
Tsangano, junto á fronteira com o Malawi.Aqui fui
responsável pela alimentação do pelotão e
como era bastante dificil encontrar alimentos, por estarmos longe de
tudo e de todos, a grande ajuda foi a caça.
Em Vila Coutinho as refeições eram feitas sempre na
pensão local do Sr. Correia e sendo este um jogador inveterado,
havia quase todas as noites jogo de cartas.
O tempo foi passando e finalmente estamos novamente
na estrada rumo a Moatize e daqui para a Beira, onde nos espera o navio
Império com destino a Lisboa, onde chegámos ao entardecer
já não podendo desembarcar nesse dia.Foi uma noite longa
onde não consegui dormir e lembro-me perfeitamente de espreitar pela vigia e vêr os carros na
marginal.No dia seguinte,31 de Maio de 1969, desembarcámos nos
cais onde estávam os meu familiares á minha espera.Emoções fortes, olhares fixos de quem
não se via há muito tempo, abraços e beijos de
vários anos em falta.Fui, com os meus pais, de carro para Chaves onde fiz o espólio, acabando, aí, o meu
percurso militar.Foram cerca de 3 anos e meio da minha vida, que foram
dados a uma causa que os politicos não souberam resolver.Nenhuma descolonização
foi resolvida pelas armas.Na década de cinquenta e ao longo da de sessenta, os países democráticos realizaram a sua descolonização, com
mais ou menos problemas.Nós por cá, país pequeno,
fomos até ao limite da exaustão.Cerca de oito mil jovens
ficaram sem as suas vidas e outros, muito mais, ficaram com
problemas fisicos. José Fernando Pascoal Monteiro ( Ex - Furriel Miliciano )