Vaguemestre
1968/69
Tsangano, Tete, junto à fronteiro com o Malawi, destacamento apenas com um pelotão,
que pertencia à companhia sediada em Vila Coutinho. Um Alferes, dois Furrieis, um enfermeiro,
um radiotelegrafista, um padeiro, um cozinheiro mais os operacionais da G3, perfazendo cerca
de 30 homens.
Antes da partida, o Alferes não me deu escolha possivel e disse :
- É você, Monteiro, que vai ser o vaguemestre.
Quando chegamos, o que chamavam de quartel, era um autêntico buraco cercado de algum
arame farpado. Apenas havia um edificio onde se amontoava o pelotão, o posto de radio, o
posto de enfermagem, o depósito de géneros e onde todos dormiam. A cozinha e o forno
trambém eram improvisados, mas fora desse edificio.
Falei com o meu camarada, do pelotão que ia substituir, que me deu algumas indicações.
Frescos, tais como hortaliça, alfaces e tomates, eram raros, pois o civil que ia entregar as batatas
apenas aparecia muito espaçadamente e não havia meios para conservar os frescos.
Havia um aldeamento próximo, onde compravamos ovos e galinhas. Grande parte do
fornecimento de carne era feito na caça nocturna.
Nunca tinha sido caçador e nada me motivava para isso. Um Unimog, um farol ligado
à bateria, uma lanterna de cabeça, para fazer a mira, e uma Mauser. O foco percorria o
interior da mata, os coelhos ficavam imóveis e vinha um camarada por trás e dáva-lhes uma
paulada. As gaselas, com a G3, também tombavam muitas. Era espectacular toda aquela
azáfama da caça nocturna.
Tete , cidade, era conhecida como o cemitério dos brancos pelo seu extremo calor seco, no
entanto no Distrito havia zonas onde a aplitude térmica era grande com noites bastantes frias.
Falei com o cozinheiro e disse que o pequeno almoço passaria a " mata bicho de garfo " ,
que além do café e do leite , condensado , haveria sempre ovos com batatas fritas ou arroz
com salsichas. Ao almoço e jantar, para não variar, havia carne de caça ou de galinha, ficando
ao critério dele a ementa.
Quando sai de Vila Coutinho, o segundo sargento Sapateiro, homem da secretaria, disse-me
quanto é que teria por dia/homem, para alimentação.
Nunca tinhamos comido tão bem na tropa, e se houve " milagre ", chamou-se caça.
O batalhão foi formado em Chaves, cidade Transmontana, e grande parte dos camaradas era
da zona. Na década de 60, Chaves era bastante conhecida pelos seus enchidos e especialmente
pelo seu presunto de fumeiro, e foi ali, no antigo BC 10, que provei pela primeira vez alheira
com batatas fritas.
Certo dia decidi comprar um porco, fomos ao aldeamento e lá fizemos negócio, trazendo
o animal para o quartel. Houve voluntários para matar e esquartejar o bicho, quando recebo
um proposta para aproveitar uma pá e fazer um presunto. Por mim, que nada percebia do assunto,
fui convencido pelos dotes de Transmontanos e lá trataram da pá salgando-a e tiveram o cuidado
de guardar num pequeno caixote, no interior da terra, resguardado pelo sol.
O tempo foi passando e aproximou-se o tempo de rendição. A intenção era levar a " peça " para
Vila Coutinho para acabar a cura. Tudo boas intenções, quando demos uma " espreitadela " aquilo
estava tudo cheio de bichos. O calor não deixou chegar a presunto.
Quando chegamos á base comuniquei ao Alferes que ia a Tete gastar o dinheiro que tinha sobrado.
Ainda hoje, passados 50 anos, lembro-me muito bem desse dia. Apanhei o machimbombo e fui
convidado pelo motorista para me sentar no branco mais próximo dele, para poder descrever-me as
aldeias por onde passamos. Não havia paragens oficiais, paravamos onde havia população ao longo da
picada. Chegado á cidade procurei lugar numa pensão, onde fiquei, se a memória não me falha, apenas
uma noite. Havia grande publicidade a um filme, que se tinha estreado, de nome " The Graduate " com
Dustin Hoffman no começo da sua carreira. Sai, comi qualquer coisa e fui ver o filme, regressando
à pensão. Pela manhã, fui comprar uns sapatos, para mim, e camisas, de meia manga, de várias cores
e tamanhos. Já com os sapatos novos nos pés, pedi para colocarem as camisas numa caixa de papelão.
Nessa mesmo dia, tal como estava combinado, apanhei novamente o machimbombo e regressei a
Vila Coutinho, onde mais tarde formei o pelotão e distribui as camisas pelos camaradas.
Claro, que houve alguns protestos, há sempre, apenas um ou dois.
- Furriel, não gosto desta cor, Furriel este tamanho não me serve.
- Em Chaves quando te distribuiram o fardamente também protestaste????
Acabou assim o pequeno dialogo, no entanto meses mais tarde quando finalmente nos
despedimos em Chaves, após fazerem o espólio, vi alguns com as camisas compradas em
Tete. Gostei de ver.
Linda-a- Velha, Janeiro de 2018
Regressar ao Cantinho do Monteiro
-