Vamos para casa!!!!!!!!
Objectivo: Nomadização pelo Vale de Miteda com verificação de machambas e
eventual apoio a uma possivel base de passagem de guerrilheiros. Dois grupos de combate
saiem, a pé do quartel, durante a madrugada. Tinha cerca de seis/sete meses de Mueda e já
com férias marcadas para Nampula. Descemos pelo lado da antiga missão católica, numa
noite de chuva e sem luar. Estava psicológicamente muito em baixo, já farto daquilo e sempre
a pensar nas férias. Passamos pelo lado esquerdo das águas, passamos pela ponte e continuamos
até que a madrugada chegou e entramos na mata em direcção ao morro que se encontra no lado
esquerdo no sentido Mueda/Nancatar.
Finalmente paramos no sopé do morro para o primeiro pequeno almoço. Pouco tempo depois
ai vamos nós a subir o monte. A chuva não parava e nós também não, que continuamos até meio,
para o almoço. Aqui estavam cerca de cinquenta homens, com dois Alferes e quatro ou cinco Furrieis,
sendo o responsável pela operação o oficial do outro grupo de combate, que não o meu, pois que a
antiguidade é posto na tropa. Por mim já ia cansado à saida do quartel e mais cansado ia ficando
com aquelas caminhadas. Não queria ficar fora da minha secção, mas aquilo estava a ficar muito
dificil. Deicidiram pernoitar perto do topo, formando um circulo e cada grupo formou a segurança e
as respectivas sentinelas. A chuva finalmente parou, mas apareceu o frio, que naquela época era
imenso, pois em África também faz frio e muito. Como sempre pouco dormi, passando o tempo
a dar a volta ao circulo e quando me deitava escutava o " choro " das hienas, os vários sons das aves
e via as estrelas cadentes
e pensava, cada vez mais, nas minhas férias em Nampula.
Vem ai a manhã e já estamos a tomar o pequeno almoço e rápidamente a passar para o outro lado
do monte. Apareceu a Auster com o major de operações por cima de nós a fazer circulos " denunciando " a
nossa posição. Continuamos a nossa caminhada, já não controlava o consumo de água e o cansaço
mental e fisico iam apoderando-se de mim. Estava todo molhado, por dentro e por fora, um camarada, que nunca
me tinha visto assim, deu-me animo e incentivava-me a caminhar, quando ouvimos ao longe tiros de uma flagelação
seguida por gritos de " Tropa ué, tropa ué ", tinhamos sido vistos pelos Frelos. Toda a coluna parou e respondemos
com umas morteiradas, a minha secção era a última e contra o que era habitual, não me desloquei do meu lugar para
saber o que se passava, aguardando que me dissessem alguma coisa. Espreitei para o meio da coluna e observo
o Alferes comandante com um banana encostado ao ouvido, só podia estar em comunicação com o major de
operações que continuava em circulos por cima de nós. De repente vejo um camarada a correr e a dizer em bom som
"
Vamos para casa, vamos para casa
". Para casa uma merda, disse eu, que a minha casa é em Lisboa e fica muito
distante e estes gajos nunca mais me largam. O Urze, camarada da minha secção, jovem sempre calmo e não muito
falador, disse de imediato " Isto hoje está mau, até o Furriel diz asneiras ".
Voltamos para trás, opção mais sensata, e caminhamos em direcção à picada onde aguardamos pelos
veículos para regressarmos ao quartel, já ao principio da madrugada. O padeiro ainda não tinha casqueiro, as messes todas
fechadas, dirigi-me para a minha flat onde os " meninos " dormiam , e sentei-me na minha cama começando por retirar o
cinto com as cartucheiras e as granadas, deixando cair o bornal por absoluto descuido. Aí, os camaradas dorminhocos,
começam a acordar e os normais " insultos " começam. Já nu, dirijo-me ao duche de água gelada e começam a " chover "
latas de antigas rações de combate e até uma bota aqueles gajos me " ofereceram ". Não me fiz rogado e devolvi
a bota cheia de água para o meio das camas, chovendo novamente palavras " insultuosas ". Meti-me dentro da cama e adormeci,
sem antes também responder aos " insultos " com palavras que normalmente não utilizava, mas aquele era um momento NÃO.
Acordei tarde, a primeira coisa que fiz foi reler o passaporte e constatar que passados três dias ia de férias. Não ia para casa,
mas livrava-me daquele vespeiro durante um mês.
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